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O projeto fotográfico de Marta Ferreira, Leça da Palmeira, adotou uma estratégia visual que realiza uma interessante síntese entre uma abordagem documental e um olhar artístico, tomando o farol de Leça como objeto arquitetónico e matéria artística e afastando-se assim da tradicional reportagem fotográfica sobre arquitetura. É-nos apresentada uma narrativa visual que incorpora um ponto de vista subjetivo, um 'relatório pessoal' que nos torna conscientes da relação significativa entre esta arquitetura e o contexto onde é construída e como esta ligação cria um lugar com uma identidade única.

 

O projeto fotográfico de Marta explora o farol de Leça através de uma promenade architecturale[1] que nos revela um olhar que possui um significativo architectural gaze[2] e permite experienciar as características formais do complexo farol, bem como os seus espaços interiores e exteriores e a sua relação com território de uma forma inovadora. É uma viagem que envolve movimento e deslocação, algo que se afasta das características da imagem fixa - fotografia -, aproximando-se muito mais do cinema, arte capaz de representar um espaço num tempo e movimento mais próximo da realidade. Marta constrói esta viagem organizando o espaço de uma forma integrada e imaginativa que não só permite ao espectador considerar uma nova leitura e consciência espacial desse lugar, mas também unifica os espaços do edifício e a sua relação com a envolvente, aproveitando o potencial de um ponto de vista fixo, ou seja, a localização, direção e sentido do olho do fotógrafo ao criar a imagem fotográfica. Os pontos de vista de Marta são o resultado de uma cuidadosa seleção que delimita o que nos é mostrado e o que permanece invisível. O seu projeto consegue, desta forma, que cada uma das suas imagens construa uma direção, um olhar diferenciado sobre os diversos espaços do edificado do farol de Leça e que toda a série de imagens ideie um caminho, mesmo que pré-determinado e mais abstrato do que um conjunto de imagens em movimento.

 

O projeto fotográfico de Marta compreende diversas sequências visuais que nos levam, ao longo das páginas, através de uma interessante viagem concebida como uma sucessão percetiva e poética dos diversos espaços. O projeto fotográfico opera como uma narrativa visual que revela a riqueza multifacetada da arquitetura do farol através de diferentes ângulos, explorando significativamente a experiência percetiva do edifício, onde a luz natural é captada de uma forma que permite sentir a atmosfera do farol[3] e assim serve para despertar a nossa imaginação e emoção para a sua arquitetura e lugar.

 

A narrativa visual tem o seu início com uma impressionante vista de pássaro para norte, a partir do farol mais alto, e continua o passeio com diversas imagens ao nível do observador, por vezes em dípticos, outras vezes sozinhas na página, onde é possível compreender a riqueza das diferentes relações que o farol estabelece com o mar, as rochas e os outros edifícios que o rodeiam, incluindo a casa de chá de Álvaro Siza. Em seguida, a série fotográfica prossegue através de um incrível itinerário marítimo, uma viagem na lancha da Capitania do Porto de Leixões com a equipa da Guarda Costeira e o Capitão da Frota Rui Pedro Lampreia, o que permitiu percecionar o farol quando nos aproximamos da costa vindos do mar, assim como observar a linha de costa e como esta se transformou, captando perspetivas únicas apenas possíveis de fazer a partir do mar, como é por exemplo o conjunto das chaminés do complexo petrolífero de Leça da Palmeira.

 

O contorno e a poética de algumas das fotografias de Marta são também bastante reveladores da riqueza multifacetada do complexo do farol, com diferentes espaços de trabalho e a forte relação que este estabelece com a envolvente natural de mar e rocha. Note-se como as imagens dos quatro últimos spreads comunicam de forma magistral a relação dos elementos de rocha com algumas partes do edifício, bem como certos lugares a partir dos quais se pode contemplar o mar e seu horizonte, bem como as linhas geométricas e o jogo de aberturas do edifício do farol.

 

*[1] What is of interest here is the notion proposed by Flora Samuel when she defines promenade architecturale as being simultaneously an experimentation of the space in movement while we walk about the building and a network of ideas (that sustain the work of architecture). See Flora Samuel, Le Corbusier and The Architectural Promenade, Birkhäuser Architecture, 2010.

[2] Ver Pedro Gadanho, “Architecture Photography: New Territories in the MoMA Collection”, in Scopio International Photography Magazine 2 1/3 Dez. 2014 p. 42-55 e Pedro Leão Neto (Ed.) Paolo Rosselli: A Talk On Architecture In Photography, Scopio Editions 2018

[3]. “”There is always more to a photograph than the picture. It conveys because of our fantastic sense of imagination [sic].” Pallasmaa’s argument for the sort of poetic image discussed by Gaston Bachelard strikes a chord: all spaces have an atmosphere, so presumably do all photographs.” in Marc Goodwin, “A Hinge: Field-testing the relationship between photography and architecture”. https://www.researchcatalogue.net/view/30884/32382.